Seis anos de casamento, Serena Barbosa sempre foi a esposa perfeita — a Sra. Gomes que sustentava silenciosamente o lar e os segredos. Até descobrir que Leonardo Gomes, o homem que ela amava, mantinha em outro continente sua "luz da lua branca", o amor que nunca esqueceu. Serena acreditava que o amor e o tempo aqueceriam até o coração mais frio... até o dia em que sua filha foi levada às pressas para uma cirurgia delicada, enquanto o marido celebrava o sucesso de outra mulher. Com o coração enfim desperto, Serena tira sua aliança, assina os papéis do divórcio e agarra firme a mão de sua filha. Deixando para trás o passado, ela renasce como uma estrela brilhante na medicina — uma mulher admirada, reconhecida e independente. Seus feitos ecoam pelo mundo científico. Mas o destino ainda não escreveu seu último capítulo. Anos depois, quando Serena reabre seu coração ao amor e à vida, aquele homem antes inabalável se dobra diante dela, vencido pelo arrependimento. “Serena, por favor… não me deixe.” Entre o orgulho ferido e a possibilidade de um novo começo, Serena aprenderá que o verdadeiro amor não se implora — conquista-se. Uma história emocionante de superação, amor-próprio e recomeços inesperados.

Capítulo 1Cidade A.Noite de tempestade.Serena Barbosa discou o número do marido, Leonardo Gomes.Chamou, mas ele não atendeu.No colo dela, a filha ardia em febre, temperatura já batendo quarenta graus, delirando e chamando, — Papai, papai, quero o papai...Serena Barbosa desceu as escadas às pressas com a filha nos braços e disse à Dona Isabel, — Dona Isabel, vamos para o hospital.— Não quer esperar o senhor voltar? — perguntou Dona Isabel.— Não precisa.Afinal, esta noite era o aniversário da mulher por quem ele sempre foi apaixonado. Ele não voltaria para casa.O coração de Serena Barbosa estava mais frio que a chuva lá fora. A filha, com as bochechas rubras de febre, gemia baixinho de desconforto, mas o pai dela estava celebrando com outra mulher.No caminho para o hospital, sob chuva torrencial, Serena Barbosa acelerava quase ao máximo, preocupada com a febre da filha. De repente, um carro ultrapassou perigosamente à frente. Serena piscou o alerta, mas o outro motorista continuou avançando.Com um movimento brusco no volante, Serena desviou, e o carro bateu de leve num dos blocos de proteção na calçada.No banco de trás, Dona Isabel abraçou a criança com força e soltou um grito assustado.Serena conseguiu frear a tempo; o carro apenas encostou no bloco, sem grandes danos. Mas, naquele instante, Serena desabou em lágrimas.Toda a mágoa e tristeza acumuladas durante anos vieram à tona de uma vez.Vendo a figura encolhida sobre o volante, chorando sem controle, Dona Isabel chamou comovida, — Senhora, senhora, precisamos ir ao hospital! A Yaya está ainda mais quente.Só então Serena lembrou da filha com febre alta. Engatou a ré e seguiu para o hospital.Ao chegar, Serena Barbosa desceu do carro com a filha nos braços. Durante o exame de sangue, a menina, quase desmaiada, se recusava a dar o dedo para a picada. Serena precisou segurar a mão dela à força; o choro dilacerante da filha parecia rasgar o coração da mãe.Infecção viral, e não era só uma. Pelo menos sete tipos de vírus agressivos. O exame de tórax mostrava os pulmões completamente comprometidos.— O estado dela é grave. Recomendamos lavagem pulmonar — disse o médico, sério.Dona Isabel se assustou, — Mas doutor, ela é tão pequena, pode fazer esse procedimento?Serena pegou a tomografia das mãos do médico e analisou com atenção. O médico, surpreso, perguntou, — A senhora entende esse exame?Serena assentiu e decidiu, — Doutor, assim que a febre baixar, por favor, agende a lavagem pulmonar.Dona Isabel cochichou, — Senhora, não seria melhor conversar com o senhor Leonardo antes?Serena olhou para a filha, passando a mão na testa quente, e respondeu com firmeza, — Não é preciso.Naquele momento, parecia ter tomado uma decisão definitiva.Três dias depois.Serena Barbosa acompanhava a filha recém-operada, observando o rosto pálido e adormecido da menina, quando o celular vibrou com uma mensagem: “O que foi?”Apenas duas palavras, carregando o tom autoritário de quem se sente superior.Serena largou o telefone sem responder.No refeitório, Dona Isabel atendeu ao próprio celular. — Alô, senhor.— Aconteceu alguma coisa em casa?Dona Isabel hesitou, — Não... não, senhor. O senhor está no Brasil?— Estou.— Tudo certo então, não se preocupe.Quando a ligação terminou, Dona Isabel murmurou para si mesma: por que a senhora não queria que eu avisasse o senhor sobre o que aconteceu? Ainda mais que ele está aqui no país!Serena segurava a mãozinha da filha; os olhos ardidos de cansaço finalmente se fecharam, mas o sono não vinha. A menina, perturbada por um pesadelo, agitava os braços, — Papai... tia Lorena, estou com medo, estou com medo...Serena segurou a mãozinha dela, — Mamãe está aqui.Yasmin Gomes acordou assustada. Ao ver Serena, virou-se de costas, contrariada, — Não quero a mamãe, quero a tia Lorena.Serena, lutando contra as lágrimas, acariciou as costas da filha até que voltasse a dormir.No sétimo dia, Serena levou a filha para casa após a alta.Finalmente, ela mesma desabou de exaustão.Pediu que Dona Isabel ficasse com a filha enquanto subia para tirar uma hora de sono.Ao acordar e descer, Dona Isabel parecia desconcertada, — Senhora, o senhor esteve aqui agora há pouco. Ele levou a Yaya para jantar fora.Serena sentiu a garganta apertar, virou-se e voltou para o quarto em silêncio.Lá embaixo, Dona Isabel suspirou: tendo marido em casa, por que a senhora precisa passar por tudo isso sozinha?Serena pegou o celular e ligou para Leonardo Gomes.Dessa vez, alguém atendeu.Uma voz feminina, bem-humorada, disse, — O Leonardo foi ao banheiro com a Yaya. Precisa de alguma coisa?Serena prendeu a respiração, mordeu os lábios e desligou.De olhos fechados, lembrou do dia em que, contrariando o pai, largou os estudos para se casar. No fim, saiu perdendo em tudo.Ela se recordava bem: no dia do casamento, o pai perguntou, em particular, se algum dia ela se arrependeria.Sorrindo, Serena respondeu, — Pai, fique tranquilo! Eu não vou me arrepender.Foi assim que ela abriu mão dos estudos, mergulhando de cabeça no casamento.Dois anos atrás, Serena descobriu que a filha se escondia no quarto do pai para conversar, pelas costas dela, com Lorena Ribeiro — a mulher por quem o marido era apaixonado — como se fossem mãe e filha.Naquela mesma época, levando a filha ao hospital, Serena finalmente entendeu.Ela se arrependia daquele casamento.Era hora de terminar. Casar-se com alguém que não a amava, por mais esforço que fizesse, só trouxe sofrimento.O resto da vida, ela dedicaria a si mesma.O celular de Serena vibrou: notificação de um e-mail.Ela subiu ao escritório no terceiro andar, ligou o computador e abriu a mensagem.O remetente era do Departamento de Pesquisa de uma das melhores faculdades de medicina do mundo.Serena fechou os olhos e murmurou, — Pai, você estava certo. Obrigada por ter me deixado um caminho.Na mente, ecoavam as palavras do pai, pouco antes de falecer, — Minha filha não pode ser inútil. Você deve ser meu orgulho, mesmo casada, nunca abandone seus estudos.Seis anos se passaram, e Serena cumpriu a promessa, sem que ninguém soubesse. Ela seguiu o caminho que o pai lhe indicou.Oito horas da noite.Leonardo Gomes entrou em casa de mãos dadas com a filha. Serena Barbosa observou Yasmin Gomes, que, com duas tranças presas no alto da cabeça, pulava animada pela sala. Nas mãos, a menina trazia um coelhinho de pelúcia cor-de-rosa.Assim que se aproximou, Serena Barbosa quis abraçá-la.De repente, Yasmin Gomes empurrou-a com as duas mãozinhas, fazendo bico e olhando-a com irritação:— Hum, não quero que a mamãe me abrace.O gesto de Serena Barbosa ficou suspenso no ar. Uma figura alta se agachou, chamando-a com suavidade:— Yaya.Yasmin Gomes fez uma careta, os olhos marejados, e se escondeu no abraço do pai, claramente magoada.Serena Barbosa sentiu uma amargura tomar conta de seu peito. Era sua responsabilidade: durante três anos, a filha de cinco anos foi “doutrinada” por Lorena Ribeiro. Não era culpa de Yasmin.A voz de Serena Barbosa embargou quando ela se dirigiu à Dona Isabel:— Dona Isabel, depois dê um banho na Yaya, por favor.— Sim, senhora — respondeu Dona Isabel, com um aceno de cabeça.Assim que Serena Barbosa saiu, risadas animadas da filha e a voz grave e carinhosa de Leonardo Gomes ecoaram pela sala.A imprensa frequentemente chamava Leonardo Gomes de “pai coruja”, e Serena Barbosa não podia discordar.Se havia alguém neste mundo que Leonardo Gomes amava mais do que tudo, era a filha.Apoiada no batente da porta, Serena Barbosa se deixou levar pelas lembranças.Oito anos atrás, Leonardo Gomes sofreu um grave acidente de carro e ficou em coma por um ano no hospital do pai. Serena, que nutria um amor secreto por ele, não pensou duas vezes: trancou a faculdade e ficou ao lado dele, cuidando de cada detalhe.Quando Leonardo Gomes acordou, aceitou a declaração dela e, apesar da forte oposição da mãe dele, casaram-se. Um ano depois, com o nascimento da filha, o casamento deveria ter se tornado ainda mais feliz.Mas quando Yasmin tinha dois anos, as frequentes viagens internacionais de Leonardo e a resistência estranha da filha começaram a se destacar.Demorou dois anos para Serena perceber que outra mulher ocupava o papel de mãe ao lado de Yasmin.Lorena Ribeiro, renomada pianista internacional, era admirada no mundo da arte e, para Leonardo Gomes, representava uma paixão idealizada.Agora, Lorena era também a tia Lorena, adorada e idolatrada pela filha.Leonardo Gomes nunca disse se arrepender do casamento, mas os gestos dele nos últimos dois anos diziam muito sobre sua insatisfação.Descendo para beber um copo d’água, Serena ouviu Leonardo Gomes ao telefone quando virou o corredor.— Sim, eu sei. Vou lembrar ela de escovar os dentes.— Não esqueça de passar o remédio no dedo, siga as orientações do médico, não seja teimosa.Serena Barbosa esboçou um sorriso irônico. Ele falava com Lorena Ribeiro.Lorena sempre atenta, lembrando Yasmin de escovar os dentes — certamente haviam jantado juntas, e Yasmin devia ter comido doces.Era um dos truques preferidos de Lorena para conquistar a menina.Leonardo apenas assistia, sem interferir.— Durma cedo, nada de virar a noite. Vou desligar — disse Leonardo, encerrando a ligação e se preparando para descer.Ao se virar, deu de cara com Serena Barbosa. Por um instante, seu rosto ficou rígido:— Hoje você dorme com a Yaya. Tenho uma reunião por vídeo esta noite, pode demorar um pouco.Leonardo conferiu o calendário, a testa levemente franzida:— Hoje é dia oito.— Quando terminar a reunião, passo no seu quarto — disse ele, saindo em seguida.Oito do mês: o dia de dormirem juntos.Certa vez, após uma crise, Serena chorou e exigiu que tivessem relações ao menos quatro vezes ao mês — nos dias um, oito, dezesseis e vinte e seis, desde que ele estivesse em casa.— Hoje estou cansada, fica para outro dia! — Serena gritou para ele, que já descia as escadas.Mais tarde, Dona Isabel trouxe a pequena Yasmin, já de banho tomado, para o quarto. Serena segurava o livro de ilustrações favorito da filha, esperando por ela.— Yaya, venha, a mamãe vai contar uma história — disse Serena, sorrindo.Yasmin ergueu o rosto para Dona Isabel:— Tia, quero meu dinossauro.— Claro, vou buscar para você — respondeu Dona Isabel, saindo em busca do brinquedo.Serena esperou pacientemente. Logo, Yasmin voltou, abraçada ao dinossauro de pelúcia que ganhou no aniversário de quatro anos, trazido de uma viagem ao exterior.Presente de Lorena Ribeiro, que se tornou agora seu inseparável Alana.Iluminada pela luz do abajur, a menina, cheirosa e macia depois do banho, era irresistível.Serena não resistiu e beijou carinhosamente a cabeça da filha.Mas Yasmin logo a afastou:— Não quero beijo da mamãe.O coração de Serena apertou.— Yaya!— Você nunca está comigo, não compra as coisas gostosas que eu gosto e nem gosta de mim. Então, também não quero gostar de você — disse Yasmin, cruzando os bracinhos, a boca torcida de tristeza.Serena sentiu uma dor profunda no peito e tentou acariciar a menina, tentando confortá-la.O olhar de Serena só fez Yasmin se irritar ainda mais. Sentindo-se injustiçada, ela começou a chorar alto:— Papai! Quero o papai! Quero dormir com o papai!Num instante, Leonardo Gomes entrou no quarto. Yasmin se levantou e correu para os braços dele. Leonardo a pegou com doçura e perguntou:— O que aconteceu, meu amor?— Quero dormir com o papai, não quero dormir com a mamãe — Yasmin se aconchegou no peito do pai, manhosa.Leonardo afagou os cabelos dela e riu baixinho:— Então vamos todos dormir juntos.Yasmin concordou, balançando a cabeça.Serena Barbosa cedeu espaço na cama para pai e filha. Só assim Yasmin se deitou tranquila, aninhada no cobertor. Leonardo deitou do outro lado, abrindo o braço para que a filha dormisse junto ao peito.O braço dele era longo; ao se estender, seus dedos tocaram de leve o ombro de Serena. Tensa, ela se afastou para a beirada da cama.Yasmin emitiu alguns sons suaves, como um gatinho, e logo adormeceu, aninhada no abraço quente do pai.Serena fechou os olhos, esperando pacientemente que Leonardo saísse dali.Cerca de vinte minutos depois, Yasmin dormia profundamente. Leonardo tirou o braço devagar, ajeitou o cobertor da filha e se inclinou para beijar sua cabeça.Serena sabia que, por hábito, ele sempre lhe daria um beijo também. Virou-se de costas, evitando o gesto.Quando ouviu os passos dele se afastando, Serena finalmente se virou e envolveu a filha nos braços.A mãozinha de Yasmin procurou seu rosto, como fazia quando era bebê, buscando aconchego. A carinha macia colou-se ao peito da mãe.Serena encostou a testa na filha. Aquela era sua preciosidade, fruto de uma gravidez difícil, o bem mais precioso que tinha.Nessa história, a única coisa que Serena queria tirar do casamento era a filha.Lorena Ribeiro podia querer o título de Sra. Gomes — isso ela podia ceder —, mas a filha, nunca permitiria que alguém a tirasse dela.Na manhã seguinte, Serena Barbosa levantou-se cedo, maquiou-se com delicadeza e, segurando o vestido favorito da filha, aguardou com carinho que a menina acordasse.Yasmin Gomes abriu os olhos e encontrou o rosto afetuoso da mãe. Ainda um pouco sonolenta, virou-se de lado, encolhendo-se como um gatinho, com o rostinho enterrado no travesseiro.— Yaya, quer vestir o vestidinho novo? — perguntou Serena Barbosa, sorrindo.Yasmin Gomes virou-se de costas, fitando o lindo vestido rosa de princesa. Ela assentiu com a cabeça, cheia de vontade.— Quero sim.Serena Barbosa desceu as escadas com a filha já arrumada e radiante nos braços. Leonardo Gomes já a esperava sentado no sofá da sala. Ele tinha o hábito de levar a filha à escola antes de seguir para o trabalho.— Papai, estou bonita? — Yasmin Gomes girou animada diante do pai.Leonardo Gomes olhou para a filha com ternura, sem hesitação em elogiá-la:— Está linda, sim.Ele a pegou no colo, enquanto Serena Barbosa recebia a mochila das mãos de Dona Isabel e os acompanhava até a porta.A escola era bem próxima dali, logo fora do condomínio, uma das creches particulares mais prestigiadas de Cidade A.Yasmin Gomes desceu do carro. Serena Barbosa a acompanhou até o portão da escola, ajeitou a mochila nas costas da filha e perguntou com um sorriso:— À tarde, mamãe vem te buscar mais cedo. Vamos fazer bolo juntas, o que acha?Yasmin Gomes assentiu contente e, depois de cumprimentar a diretora e as professoras, entrou para a escola.Serena Barbosa observou a filha entrar, com um olhar repleto de doçura. Virou-se então para o carro, onde Leonardo Gomes esperava. A luz da manhã brincava sobre ele, que permanecia, como sempre, elegante e sereno. No entanto, seus olhos, profundos como as noites de inverno, carregavam uma frieza constante, quase distante.— Vou voltar para casa caminhando, pode ir para o trabalho — disse Serena Barbosa, aproximando-se da janela do motorista.Leonardo Gomes apenas apertou os lábios, girando o volante com as mãos longas e ágeis. O Rolls-Royce preto avançou suavemente entre os carros e sumiu pela rua.Serena Barbosa ficou observando o carro até ele desaparecer. Mesmo depois de tantos anos de casamento, ela ainda não conseguia compreendê-lo.Ela sabia, no fundo, que tudo o que ele sentia por ela era apenas gratidão, jamais amor. E ali estava ela, tola, esperando que um dia ele a amasse.Esperando há seis anos.Agora, Serena Barbosa já não culpava ninguém. Apenas a si mesma, por ter feito a escolha errada. Aceitava as consequências.Ao retornar para casa, caminhando devagar, foi recebida por Dona Isabel, que perguntou:— Senhora, o que deseja para o café da manhã?— Pode cozinhar dois ovos e metade de uma espiga de milho para mim — respondeu Serena Barbosa.Dona Isabel hesitou um instante, mas logo foi para a cozinha. Achou curioso o olhar da patroa naquela manhã: parecia ainda mais frio que de costume. E nem ouvira discussões entre ela e o senhor na noite anterior.Normalmente, quando o patrão passava semanas sem voltar para casa, o humor da senhora ficava péssimo. Ainda mais agora, depois de tudo o que a filha passou no hospital, ela não comentou nada.No escritório do terceiro andar, Serena Barbosa mergulhou em pensamentos. Em um mês, ela subiria ao palco do fórum médico do país M como a melhor aluna formada, atraindo a atenção das maiores empresas farmacêuticas do mundo. Bastava dizer sim, e as portas dos principais laboratórios se abririam para ela, com investimentos milionários à disposição.Mas todo esse brilho, ela jamais revelou. Dentro daquela casa, e aos olhos dos outros, Serena Barbosa era apenas uma dona de casa presa numa gaiola dourada, sem qualquer talento especial.Já seu marido, Leonardo Gomes, aos dezoito anos se tornara o conselheiro financeiro mais prestigiado de país M. Aos vinte e três, assumiu a empresa da família e virou uma lenda no mercado de investimentos, chegando rapidamente ao topo da lista dos mais ricos do país.Capítulo 2Cidade A.Noite de tempestade.Serena Barbosa discou o número do marido, Leonardo Gomes.Chamou, mas ele não atendeu.No colo dela, a filha ardia em febre, temperatura já batendo quarenta graus, delirando e chamando, — Papai, papai, quero o papai...Serena Barbosa desceu as escadas às pressas com a filha nos braços e disse à Dona Isabel, — Dona Isabel, vamos para o hospital.— Não quer esperar o senhor voltar? — perguntou Dona Isabel.— Não precisa.Afinal, esta noite era o aniversário da mulher por quem ele sempre foi apaixonado. Ele não voltaria para casa.O coração de Serena Barbosa estava mais frio que a chuva lá fora. A filha, com as bochechas rubras de febre, gemia baixinho de desconforto, mas o pai dela estava celebrando com outra mulher.No caminho para o hospital, sob chuva torrencial, Serena Barbosa acelerava quase ao máximo, preocupada com a febre da filha. De repente, um carro ultrapassou perigosamente à frente. Serena piscou o alerta, mas o outro motorista continuou avançando.Com um movimento brusco no volante, Serena desviou, e o carro bateu de leve num dos blocos de proteção na calçada.No banco de trás, Dona Isabel abraçou a criança com força e soltou um grito assustado.Serena conseguiu frear a tempo; o carro apenas encostou no bloco, sem grandes danos. Mas, naquele instante, Serena desabou em lágrimas.Toda a mágoa e tristeza acumuladas durante anos vieram à tona de uma vez.Vendo a figura encolhida sobre o volante, chorando sem controle, Dona Isabel chamou comovida, — Senhora, senhora, precisamos ir ao hospital! A Yaya está ainda mais quente.Só então Serena lembrou da filha com febre alta. Engatou a ré e seguiu para o hospital.Ao chegar, Serena Barbosa desceu do carro com a filha nos braços. Durante o exame de sangue, a menina, quase desmaiada, se recusava a dar o dedo para a picada. Serena precisou segurar a mão dela à força; o choro dilacerante da filha parecia rasgar o coração da mãe.Infecção viral, e não era só uma. Pelo menos sete tipos de vírus agressivos. O exame de tórax mostrava os pulmões completamente comprometidos.— O estado dela é grave. Recomendamos lavagem pulmonar — disse o médico, sério.Dona Isabel se assustou, — Mas doutor, ela é tão pequena, pode fazer esse procedimento?Serena pegou a tomografia das mãos do médico e analisou com atenção. O médico, surpreso, perguntou, — A senhora entende esse exame?Serena assentiu e decidiu, — Doutor, assim que a febre baixar, por favor, agende a lavagem pulmonar.Dona Isabel cochichou, — Senhora, não seria melhor conversar com o senhor Leonardo antes?Serena olhou para a filha, passando a mão na testa quente, e respondeu com firmeza, — Não é preciso.Naquele momento, parecia ter tomado uma decisão definitiva.Três dias depois.Serena Barbosa acompanhava a filha recém-operada, observando o rosto pálido e adormecido da menina, quando o celular vibrou com uma mensagem: “O que foi?”Apenas duas palavras, carregando o tom autoritário de quem se sente superior.Serena largou o telefone sem responder.No refeitório, Dona Isabel atendeu ao próprio celular. — Alô, senhor.— Aconteceu alguma coisa em casa?Dona Isabel hesitou, — Não... não, senhor. O senhor está no Brasil?— Estou.— Tudo certo então, não se preocupe.Quando a ligação terminou, Dona Isabel murmurou para si mesma: por que a senhora não queria que eu avisasse o senhor sobre o que aconteceu? Ainda mais que ele está aqui no país!Serena segurava a mãozinha da filha; os olhos ardidos de cansaço finalmente se fecharam, mas o sono não vinha. A menina, perturbada por um pesadelo, agitava os braços, — Papai... tia Lorena, estou com medo, estou com medo...Serena segurou a mãozinha dela, — Mamãe está aqui.Yasmin Gomes acordou assustada. Ao ver Serena, virou-se de costas, contrariada, — Não quero a mamãe, quero a tia Lorena.Serena, lutando contra as lágrimas, acariciou as costas da filha até que voltasse a dormir.No sétimo dia, Serena levou a filha para casa após a alta.Finalmente, ela mesma desabou de exaustão.Pediu que Dona Isabel ficasse com a filha enquanto subia para tirar uma hora de sono.Ao acordar e descer, Dona Isabel parecia desconcertada, — Senhora, o senhor esteve aqui agora há pouco. Ele levou a Yaya para jantar fora.Serena sentiu a garganta apertar, virou-se e voltou para o quarto em silêncio.Lá embaixo, Dona Isabel suspirou: tendo marido em casa, por que a senhora precisa passar por tudo isso sozinha?Serena pegou o celular e ligou para Leonardo Gomes.Dessa vez, alguém atendeu.Uma voz feminina, bem-humorada, disse, — O Leonardo foi ao banheiro com a Yaya. Precisa de alguma coisa?Serena prendeu a respiração, mordeu os lábios e desligou.De olhos fechados, lembrou do dia em que, contrariando o pai, largou os estudos para se casar. No fim, saiu perdendo em tudo.Ela se recordava bem: no dia do casamento, o pai perguntou, em particular, se algum dia ela se arrependeria.Sorrindo, Serena respondeu, — Pai, fique tranquilo! Eu não vou me arrepender.Foi assim que ela abriu mão dos estudos, mergulhando de cabeça no casamento.Dois anos atrás, Serena descobriu que a filha se escondia no quarto do pai para conversar, pelas costas dela, com Lorena Ribeiro — a mulher por quem o marido era apaixonado — como se fossem mãe e filha.Naquela mesma época, levando a filha ao hospital, Serena finalmente entendeu.Ela se arrependia daquele casamento.Era hora de terminar. Casar-se com alguém que não a amava, por mais esforço que fizesse, só trouxe sofrimento.O resto da vida, ela dedicaria a si mesma.O celular de Serena vibrou: notificação de um e-mail.Ela subiu ao escritório no terceiro andar, ligou o computador e abriu a mensagem.O remetente era do Departamento de Pesquisa de uma das melhores faculdades de medicina do mundo.Serena fechou os olhos e murmurou, — Pai, você estava certo. Obrigada por ter me deixado um caminho.Na mente, ecoavam as palavras do pai, pouco antes de falecer, — Minha filha não pode ser inútil. Você deve ser meu orgulho, mesmo casada, nunca abandone seus estudos.Seis anos se passaram, e Serena cumpriu a promessa, sem que ninguém soubesse. Ela seguiu o caminho que o pai lhe indicou.Oito horas da noite.Leonardo Gomes entrou em casa de mãos dadas com a filha. Serena Barbosa observou Yasmin Gomes, que, com duas tranças presas no alto da cabeça, pulava animada pela sala. Nas mãos, a menina trazia um coelhinho de pelúcia cor-de-rosa.Assim que se aproximou, Serena Barbosa quis abraçá-la.De repente, Yasmin Gomes empurrou-a com as duas mãozinhas, fazendo bico e olhando-a com irritação:— Hum, não quero que a mamãe me abrace.O gesto de Serena Barbosa ficou suspenso no ar. Uma figura alta se agachou, chamando-a com suavidade:— Yaya.Yasmin Gomes fez uma careta, os olhos marejados, e se escondeu no abraço do pai, claramente magoada.Serena Barbosa sentiu uma amargura tomar conta de seu peito. Era sua responsabilidade: durante três anos, a filha de cinco anos foi “doutrinada” por Lorena Ribeiro. Não era culpa de Yasmin.A voz de Serena Barbosa embargou quando ela se dirigiu à Dona Isabel:— Dona Isabel, depois dê um banho na Yaya, por favor.— Sim, senhora — respondeu Dona Isabel, com um aceno de cabeça.Assim que Serena Barbosa saiu, risadas animadas da filha e a voz grave e carinhosa de Leonardo Gomes ecoaram pela sala.A imprensa frequentemente chamava Leonardo Gomes de “pai coruja”, e Serena Barbosa não podia discordar.Se havia alguém neste mundo que Leonardo Gomes amava mais do que tudo, era a filha.Apoiada no batente da porta, Serena Barbosa se deixou levar pelas lembranças.Oito anos atrás, Leonardo Gomes sofreu um grave acidente de carro e ficou em coma por um ano no hospital do pai. Serena, que nutria um amor secreto por ele, não pensou duas vezes: trancou a faculdade e ficou ao lado dele, cuidando de cada detalhe.Quando Leonardo Gomes acordou, aceitou a declaração dela e, apesar da forte oposição da mãe dele, casaram-se. Um ano depois, com o nascimento da filha, o casamento deveria ter se tornado ainda mais feliz.Mas quando Yasmin tinha dois anos, as frequentes viagens internacionais de Leonardo e a resistência estranha da filha começaram a se destacar.Demorou dois anos para Serena perceber que outra mulher ocupava o papel de mãe ao lado de Yasmin.Lorena Ribeiro, renomada pianista internacional, era admirada no mundo da arte e, para Leonardo Gomes, representava uma paixão idealizada.Agora, Lorena era também a tia Lorena, adorada e idolatrada pela filha.Leonardo Gomes nunca disse se arrepender do casamento, mas os gestos dele nos últimos dois anos diziam muito sobre sua insatisfação.Descendo para beber um copo d’água, Serena ouviu Leonardo Gomes ao telefone quando virou o corredor.— Sim, eu sei. Vou lembrar ela de escovar os dentes.— Não esqueça de passar o remédio no dedo, siga as orientações do médico, não seja teimosa.Serena Barbosa esboçou um sorriso irônico. Ele falava com Lorena Ribeiro.Lorena sempre atenta, lembrando Yasmin de escovar os dentes — certamente haviam jantado juntas, e Yasmin devia ter comido doces.Era um dos truques preferidos de Lorena para conquistar a menina.Leonardo apenas assistia, sem interferir.— Durma cedo, nada de virar a noite. Vou desligar — disse Leonardo, encerrando a ligação e se preparando para descer.Ao se virar, deu de cara com Serena Barbosa. Por um instante, seu rosto ficou rígido:— Hoje você dorme com a Yaya. Tenho uma reunião por vídeo esta noite, pode demorar um pouco.Leonardo conferiu o calendário, a testa levemente franzida:— Hoje é dia oito.— Quando terminar a reunião, passo no seu quarto — disse ele, saindo em seguida.Oito do mês: o dia de dormirem juntos.Certa vez, após uma crise, Serena chorou e exigiu que tivessem relações ao menos quatro vezes ao mês — nos dias um, oito, dezesseis e vinte e seis, desde que ele estivesse em casa.— Hoje estou cansada, fica para outro dia! — Serena gritou para ele, que já descia as escadas.Mais tarde, Dona Isabel trouxe a pequena Yasmin, já de banho tomado, para o quarto. Serena segurava o livro de ilustrações favorito da filha, esperando por ela.— Yaya, venha, a mamãe vai contar uma história — disse Serena, sorrindo.Yasmin ergueu o rosto para Dona Isabel:— Tia, quero meu dinossauro.— Claro, vou buscar para você — respondeu Dona Isabel, saindo em busca do brinquedo.Serena esperou pacientemente. Logo, Yasmin voltou, abraçada ao dinossauro de pelúcia que ganhou no aniversário de quatro anos, trazido de uma viagem ao exterior.Presente de Lorena Ribeiro, que se tornou agora seu inseparável Alana.Iluminada pela luz do abajur, a menina, cheirosa e macia depois do banho, era irresistível.Serena não resistiu e beijou carinhosamente a cabeça da filha.Mas Yasmin logo a afastou:— Não quero beijo da mamãe.O coração de Serena apertou.— Yaya!— Você nunca está comigo, não compra as coisas gostosas que eu gosto e nem gosta de mim. Então, também não quero gostar de você — disse Yasmin, cruzando os bracinhos, a boca torcida de tristeza.Serena sentiu uma dor profunda no peito e tentou acariciar a menina, tentando confortá-la.O olhar de Serena só fez Yasmin se irritar ainda mais. Sentindo-se injustiçada, ela começou a chorar alto:— Papai! Quero o papai! Quero dormir com o papai!Num instante, Leonardo Gomes entrou no quarto. Yasmin se levantou e correu para os braços dele. Leonardo a pegou com doçura e perguntou:— O que aconteceu, meu amor?— Quero dormir com o papai, não quero dormir com a mamãe — Yasmin se aconchegou no peito do pai, manhosa.Leonardo afagou os cabelos dela e riu baixinho:— Então vamos todos dormir juntos.Yasmin concordou, balançando a cabeça.Serena Barbosa cedeu espaço na cama para pai e filha. Só assim Yasmin se deitou tranquila, aninhada no cobertor. Leonardo deitou do outro lado, abrindo o braço para que a filha dormisse junto ao peito.O braço dele era longo; ao se estender, seus dedos tocaram de leve o ombro de Serena. Tensa, ela se afastou para a beirada da cama.Yasmin emitiu alguns sons suaves, como um gatinho, e logo adormeceu, aninhada no abraço quente do pai.Serena fechou os olhos, esperando pacientemente que Leonardo saísse dali.Cerca de vinte minutos depois, Yasmin dormia profundamente. Leonardo tirou o braço devagar, ajeitou o cobertor da filha e se inclinou para beijar sua cabeça.Serena sabia que, por hábito, ele sempre lhe daria um beijo também. Virou-se de costas, evitando o gesto.Quando ouviu os passos dele se afastando, Serena finalmente se virou e envolveu a filha nos braços.A mãozinha de Yasmin procurou seu rosto, como fazia quando era bebê, buscando aconchego. A carinha macia colou-se ao peito da mãe.Serena encostou a testa na filha. Aquela era sua preciosidade, fruto de uma gravidez difícil, o bem mais precioso que tinha.Nessa história, a única coisa que Serena queria tirar do casamento era a filha.Lorena Ribeiro podia querer o título de Sra. Gomes — isso ela podia ceder —, mas a filha, nunca permitiria que alguém a tirasse dela.Na manhã seguinte, Serena Barbosa levantou-se cedo, maquiou-se com delicadeza e, segurando o vestido favorito da filha, aguardou com carinho que a menina acordasse.Yasmin Gomes abriu os olhos e encontrou o rosto afetuoso da mãe. Ainda um pouco sonolenta, virou-se de lado, encolhendo-se como um gatinho, com o rostinho enterrado no travesseiro.— Yaya, quer vestir o vestidinho novo? — perguntou Serena Barbosa, sorrindo.Yasmin Gomes virou-se de costas, fitando o lindo vestido rosa de princesa. Ela assentiu com a cabeça, cheia de vontade.— Quero sim.Serena Barbosa desceu as escadas com a filha já arrumada e radiante nos braços. Leonardo Gomes já a esperava sentado no sofá da sala. Ele tinha o hábito de levar a filha à escola antes de seguir para o trabalho.— Papai, estou bonita? — Yasmin Gomes girou animada diante do pai.Leonardo Gomes olhou para a filha com ternura, sem hesitação em elogiá-la:— Está linda, sim.Ele a pegou no colo, enquanto Serena Barbosa recebia a mochila das mãos de Dona Isabel e os acompanhava até a porta.A escola era bem próxima dali, logo fora do condomínio, uma das creches particulares mais prestigiadas de Cidade A.Yasmin Gomes desceu do carro. Serena Barbosa a acompanhou até o portão da escola, ajeitou a mochila nas costas da filha e perguntou com um sorriso:— À tarde, mamãe vem te buscar mais cedo. Vamos fazer bolo juntas, o que acha?Yasmin Gomes assentiu contente e, depois de cumprimentar a diretora e as professoras, entrou para a escola.Serena Barbosa observou a filha entrar, com um olhar repleto de doçura. Virou-se então para o carro, onde Leonardo Gomes esperava. A luz da manhã brincava sobre ele, que permanecia, como sempre, elegante e sereno. No entanto, seus olhos, profundos como as noites de inverno, carregavam uma frieza constante, quase distante.— Vou voltar para casa caminhando, pode ir para o trabalho — disse Serena Barbosa, aproximando-se da janela do motorista.Leonardo Gomes apenas apertou os lábios, girando o volante com as mãos longas e ágeis. O Rolls-Royce preto avançou suavemente entre os carros e sumiu pela rua.Serena Barbosa ficou observando o carro até ele desaparecer. Mesmo depois de tantos anos de casamento, ela ainda não conseguia compreendê-lo.Ela sabia, no fundo, que tudo o que ele sentia por ela era apenas gratidão, jamais amor. E ali estava ela, tola, esperando que um dia ele a amasse.Esperando há seis anos.Agora, Serena Barbosa já não culpava ninguém. Apenas a si mesma, por ter feito a escolha errada. Aceitava as consequências.Ao retornar para casa, caminhando devagar, foi recebida por Dona Isabel, que perguntou:— Senhora, o que deseja para o café da manhã?— Pode cozinhar dois ovos e metade de uma espiga de milho para mim — respondeu Serena Barbosa.Dona Isabel hesitou um instante, mas logo foi para a cozinha. Achou curioso o olhar da patroa naquela manhã: parecia ainda mais frio que de costume. E nem ouvira discussões entre ela e o senhor na noite anterior.Normalmente, quando o patrão passava semanas sem voltar para casa, o humor da senhora ficava péssimo. Ainda mais agora, depois de tudo o que a filha passou no hospital, ela não comentou nada.No escritório do terceiro andar, Serena Barbosa mergulhou em pensamentos. Em um mês, ela subiria ao palco do fórum médico do país M como a melhor aluna formada, atraindo a atenção das maiores empresas farmacêuticas do mundo. Bastava dizer sim, e as portas dos principais laboratórios se abririam para ela, com investimentos milionários à disposição.Mas todo esse brilho, ela jamais revelou. Dentro daquela casa, e aos olhos dos outros, Serena Barbosa era apenas uma dona de casa presa numa gaiola dourada, sem qualquer talento especial.Já seu marido, Leonardo Gomes, aos dezoito anos se tornara o conselheiro financeiro mais prestigiado de país M. Aos vinte e três, assumiu a empresa da família e virou uma lenda no mercado de investimentos, chegando rapidamente ao topo da lista dos mais ricos do país.Capítulo 3Cidade A.Noite de tempestade.Serena Barbosa discou o número do marido, Leonardo Gomes.Chamou, mas ele não atendeu.No colo dela, a filha ardia em febre, temperatura já batendo quarenta graus, delirando e chamando, — Papai, papai, quero o papai...Serena Barbosa desceu as escadas às pressas com a filha nos braços e disse à Dona Isabel, — Dona Isabel, vamos para o hospital.— Não quer esperar o senhor voltar? — perguntou Dona Isabel.— Não precisa.Afinal, esta noite era o aniversário da mulher por quem ele sempre foi apaixonado. Ele não voltaria para casa.O coração de Serena Barbosa estava mais frio que a chuva lá fora. A filha, com as bochechas rubras de febre, gemia baixinho de desconforto, mas o pai dela estava celebrando com outra mulher.No caminho para o hospital, sob chuva torrencial, Serena Barbosa acelerava quase ao máximo, preocupada com a febre da filha. De repente, um carro ultrapassou perigosamente à frente. Serena piscou o alerta, mas o outro motorista continuou avançando.Com um movimento brusco no volante, Serena desviou, e o carro bateu de leve num dos blocos de proteção na calçada.No banco de trás, Dona Isabel abraçou a criança com força e soltou um grito assustado.Serena conseguiu frear a tempo; o carro apenas encostou no bloco, sem grandes danos. Mas, naquele instante, Serena desabou em lágrimas.Toda a mágoa e tristeza acumuladas durante anos vieram à tona de uma vez.Vendo a figura encolhida sobre o volante, chorando sem controle, Dona Isabel chamou comovida, — Senhora, senhora, precisamos ir ao hospital! A Yaya está ainda mais quente.Só então Serena lembrou da filha com febre alta. Engatou a ré e seguiu para o hospital.Ao chegar, Serena Barbosa desceu do carro com a filha nos braços. Durante o exame de sangue, a menina, quase desmaiada, se recusava a dar o dedo para a picada. Serena precisou segurar a mão dela à força; o choro dilacerante da filha parecia rasgar o coração da mãe.Infecção viral, e não era só uma. Pelo menos sete tipos de vírus agressivos. O exame de tórax mostrava os pulmões completamente comprometidos.— O estado dela é grave. Recomendamos lavagem pulmonar — disse o médico, sério.Dona Isabel se assustou, — Mas doutor, ela é tão pequena, pode fazer esse procedimento?Serena pegou a tomografia das mãos do médico e analisou com atenção. O médico, surpreso, perguntou, — A senhora entende esse exame?Serena assentiu e decidiu, — Doutor, assim que a febre baixar, por favor, agende a lavagem pulmonar.Dona Isabel cochichou, — Senhora, não seria melhor conversar com o senhor Leonardo antes?Serena olhou para a filha, passando a mão na testa quente, e respondeu com firmeza, — Não é preciso.Naquele momento, parecia ter tomado uma decisão definitiva.Três dias depois.Serena Barbosa acompanhava a filha recém-operada, observando o rosto pálido e adormecido da menina, quando o celular vibrou com uma mensagem: “O que foi?”Apenas duas palavras, carregando o tom autoritário de quem se sente superior.Serena largou o telefone sem responder.No refeitório, Dona Isabel atendeu ao próprio celular. — Alô, senhor.— Aconteceu alguma coisa em casa?Dona Isabel hesitou, — Não... não, senhor. O senhor está no Brasil?— Estou.— Tudo certo então, não se preocupe.Quando a ligação terminou, Dona Isabel murmurou para si mesma: por que a senhora não queria que eu avisasse o senhor sobre o que aconteceu? Ainda mais que ele está aqui no país!Serena segurava a mãozinha da filha; os olhos ardidos de cansaço finalmente se fecharam, mas o sono não vinha. A menina, perturbada por um pesadelo, agitava os braços, — Papai... tia Lorena, estou com medo, estou com medo...Serena segurou a mãozinha dela, — Mamãe está aqui.Yasmin Gomes acordou assustada. Ao ver Serena, virou-se de costas, contrariada, — Não quero a mamãe, quero a tia Lorena.Serena, lutando contra as lágrimas, acariciou as costas da filha até que voltasse a dormir.No sétimo dia, Serena levou a filha para casa após a alta.Finalmente, ela mesma desabou de exaustão.Pediu que Dona Isabel ficasse com a filha enquanto subia para tirar uma hora de sono.Ao acordar e descer, Dona Isabel parecia desconcertada, — Senhora, o senhor esteve aqui agora há pouco. Ele levou a Yaya para jantar fora.Serena sentiu a garganta apertar, virou-se e voltou para o quarto em silêncio.Lá embaixo, Dona Isabel suspirou: tendo marido em casa, por que a senhora precisa passar por tudo isso sozinha?Serena pegou o celular e ligou para Leonardo Gomes.Dessa vez, alguém atendeu.Uma voz feminina, bem-humorada, disse, — O Leonardo foi ao banheiro com a Yaya. Precisa de alguma coisa?Serena prendeu a respiração, mordeu os lábios e desligou.De olhos fechados, lembrou do dia em que, contrariando o pai, largou os estudos para se casar. No fim, saiu perdendo em tudo.Ela se recordava bem: no dia do casamento, o pai perguntou, em particular, se algum dia ela se arrependeria.Sorrindo, Serena respondeu, — Pai, fique tranquilo! Eu não vou me arrepender.Foi assim que ela abriu mão dos estudos, mergulhando de cabeça no casamento.Dois anos atrás, Serena descobriu que a filha se escondia no quarto do pai para conversar, pelas costas dela, com Lorena Ribeiro — a mulher por quem o marido era apaixonado — como se fossem mãe e filha.Naquela mesma época, levando a filha ao hospital, Serena finalmente entendeu.Ela se arrependia daquele casamento.Era hora de terminar. Casar-se com alguém que não a amava, por mais esforço que fizesse, só trouxe sofrimento.O resto da vida, ela dedicaria a si mesma.O celular de Serena vibrou: notificação de um e-mail.Ela subiu ao escritório no terceiro andar, ligou o computador e abriu a mensagem.O remetente era do Departamento de Pesquisa de uma das melhores faculdades de medicina do mundo.Serena fechou os olhos e murmurou, — Pai, você estava certo. Obrigada por ter me deixado um caminho.Na mente, ecoavam as palavras do pai, pouco antes de falecer, — Minha filha não pode ser inútil. Você deve ser meu orgulho, mesmo casada, nunca abandone seus estudos.Seis anos se passaram, e Serena cumpriu a promessa, sem que ninguém soubesse. Ela seguiu o caminho que o pai lhe indicou.Oito horas da noite.Leonardo Gomes entrou em casa de mãos dadas com a filha. Serena Barbosa observou Yasmin Gomes, que, com duas tranças presas no alto da cabeça, pulava animada pela sala. Nas mãos, a menina trazia um coelhinho de pelúcia cor-de-rosa.Assim que se aproximou, Serena Barbosa quis abraçá-la.De repente, Yasmin Gomes empurrou-a com as duas mãozinhas, fazendo bico e olhando-a com irritação:— Hum, não quero que a mamãe me abrace.O gesto de Serena Barbosa ficou suspenso no ar. Uma figura alta se agachou, chamando-a com suavidade:— Yaya.Yasmin Gomes fez uma careta, os olhos marejados, e se escondeu no abraço do pai, claramente magoada.Serena Barbosa sentiu uma amargura tomar conta de seu peito. Era sua responsabilidade: durante três anos, a filha de cinco anos foi “doutrinada” por Lorena Ribeiro. Não era culpa de Yasmin.A voz de Serena Barbosa embargou quando ela se dirigiu à Dona Isabel:— Dona Isabel, depois dê um banho na Yaya, por favor.— Sim, senhora — respondeu Dona Isabel, com um aceno de cabeça.Assim que Serena Barbosa saiu, risadas animadas da filha e a voz grave e carinhosa de Leonardo Gomes ecoaram pela sala.A imprensa frequentemente chamava Leonardo Gomes de “pai coruja”, e Serena Barbosa não podia discordar.Se havia alguém neste mundo que Leonardo Gomes amava mais do que tudo, era a filha.Apoiada no batente da porta, Serena Barbosa se deixou levar pelas lembranças.Oito anos atrás, Leonardo Gomes sofreu um grave acidente de carro e ficou em coma por um ano no hospital do pai. Serena, que nutria um amor secreto por ele, não pensou duas vezes: trancou a faculdade e ficou ao lado dele, cuidando de cada detalhe.Quando Leonardo Gomes acordou, aceitou a declaração dela e, apesar da forte oposição da mãe dele, casaram-se. Um ano depois, com o nascimento da filha, o casamento deveria ter se tornado ainda mais feliz.Mas quando Yasmin tinha dois anos, as frequentes viagens internacionais de Leonardo e a resistência estranha da filha começaram a se destacar.Demorou dois anos para Serena perceber que outra mulher ocupava o papel de mãe ao lado de Yasmin.Lorena Ribeiro, renomada pianista internacional, era admirada no mundo da arte e, para Leonardo Gomes, representava uma paixão idealizada.Agora, Lorena era também a tia Lorena, adorada e idolatrada pela filha.Leonardo Gomes nunca disse se arrepender do casamento, mas os gestos dele nos últimos dois anos diziam muito sobre sua insatisfação.Descendo para beber um copo d’água, Serena ouviu Leonardo Gomes ao telefone quando virou o corredor.— Sim, eu sei. Vou lembrar ela de escovar os dentes.— Não esqueça de passar o remédio no dedo, siga as orientações do médico, não seja teimosa.Serena Barbosa esboçou um sorriso irônico. Ele falava com Lorena Ribeiro.Lorena sempre atenta, lembrando Yasmin de escovar os dentes — certamente haviam jantado juntas, e Yasmin devia ter comido doces.Era um dos truques preferidos de Lorena para conquistar a menina.Leonardo apenas assistia, sem interferir.— Durma cedo, nada de virar a noite. Vou desligar — disse Leonardo, encerrando a ligação e se preparando para descer.Ao se virar, deu de cara com Serena Barbosa. Por um instante, seu rosto ficou rígido:— Hoje você dorme com a Yaya. Tenho uma reunião por vídeo esta noite, pode demorar um pouco.Leonardo conferiu o calendário, a testa levemente franzida:— Hoje é dia oito.— Quando terminar a reunião, passo no seu quarto — disse ele, saindo em seguida.Oito do mês: o dia de dormirem juntos.Certa vez, após uma crise, Serena chorou e exigiu que tivessem relações ao menos quatro vezes ao mês — nos dias um, oito, dezesseis e vinte e seis, desde que ele estivesse em casa.— Hoje estou cansada, fica para outro dia! — Serena gritou para ele, que já descia as escadas.Mais tarde, Dona Isabel trouxe a pequena Yasmin, já de banho tomado, para o quarto. Serena segurava o livro de ilustrações favorito da filha, esperando por ela.— Yaya, venha, a mamãe vai contar uma história — disse Serena, sorrindo.Yasmin ergueu o rosto para Dona Isabel:— Tia, quero meu dinossauro.— Claro, vou buscar para você — respondeu Dona Isabel, saindo em busca do brinquedo.Serena esperou pacientemente. Logo, Yasmin voltou, abraçada ao dinossauro de pelúcia que ganhou no aniversário de quatro anos, trazido de uma viagem ao exterior.Presente de Lorena Ribeiro, que se tornou agora seu inseparável Alana.Iluminada pela luz do abajur, a menina, cheirosa e macia depois do banho, era irresistível.Serena não resistiu e beijou carinhosamente a cabeça da filha.Mas Yasmin logo a afastou:— Não quero beijo da mamãe.O coração de Serena apertou.— Yaya!— Você nunca está comigo, não compra as coisas gostosas que eu gosto e nem gosta de mim. Então, também não quero gostar de você — disse Yasmin, cruzando os bracinhos, a boca torcida de tristeza.Serena sentiu uma dor profunda no peito e tentou acariciar a menina, tentando confortá-la.O olhar de Serena só fez Yasmin se irritar ainda mais. Sentindo-se injustiçada, ela começou a chorar alto:— Papai! Quero o papai! Quero dormir com o papai!Num instante, Leonardo Gomes entrou no quarto. Yasmin se levantou e correu para os braços dele. Leonardo a pegou com doçura e perguntou:— O que aconteceu, meu amor?— Quero dormir com o papai, não quero dormir com a mamãe — Yasmin se aconchegou no peito do pai, manhosa.Leonardo afagou os cabelos dela e riu baixinho:— Então vamos todos dormir juntos.Yasmin concordou, balançando a cabeça.Serena Barbosa cedeu espaço na cama para pai e filha. Só assim Yasmin se deitou tranquila, aninhada no cobertor. Leonardo deitou do outro lado, abrindo o braço para que a filha dormisse junto ao peito.O braço dele era longo; ao se estender, seus dedos tocaram de leve o ombro de Serena. Tensa, ela se afastou para a beirada da cama.Yasmin emitiu alguns sons suaves, como um gatinho, e logo adormeceu, aninhada no abraço quente do pai.Serena fechou os olhos, esperando pacientemente que Leonardo saísse dali.Cerca de vinte minutos depois, Yasmin dormia profundamente. Leonardo tirou o braço devagar, ajeitou o cobertor da filha e se inclinou para beijar sua cabeça.Serena sabia que, por hábito, ele sempre lhe daria um beijo também. Virou-se de costas, evitando o gesto.Quando ouviu os passos dele se afastando, Serena finalmente se virou e envolveu a filha nos braços.A mãozinha de Yasmin procurou seu rosto, como fazia quando era bebê, buscando aconchego. A carinha macia colou-se ao peito da mãe.Serena encostou a testa na filha. Aquela era sua preciosidade, fruto de uma gravidez difícil, o bem mais precioso que tinha.Nessa história, a única coisa que Serena queria tirar do casamento era a filha.Lorena Ribeiro podia querer o título de Sra. Gomes — isso ela podia ceder —, mas a filha, nunca permitiria que alguém a tirasse dela.Na manhã seguinte, Serena Barbosa levantou-se cedo, maquiou-se com delicadeza e, segurando o vestido favorito da filha, aguardou com carinho que a menina acordasse.Yasmin Gomes abriu os olhos e encontrou o rosto afetuoso da mãe. Ainda um pouco sonolenta, virou-se de lado, encolhendo-se como um gatinho, com o rostinho enterrado no travesseiro.— Yaya, quer vestir o vestidinho novo? — perguntou Serena Barbosa, sorrindo.Yasmin Gomes virou-se de costas, fitando o lindo vestido rosa de princesa. Ela assentiu com a cabeça, cheia de vontade.— Quero sim.Serena Barbosa desceu as escadas com a filha já arrumada e radiante nos braços. Leonardo Gomes já a esperava sentado no sofá da sala. Ele tinha o hábito de levar a filha à escola antes de seguir para o trabalho.— Papai, estou bonita? — Yasmin Gomes girou animada diante do pai.Leonardo Gomes olhou para a filha com ternura, sem hesitação em elogiá-la:— Está linda, sim.Ele a pegou no colo, enquanto Serena Barbosa recebia a mochila das mãos de Dona Isabel e os acompanhava até a porta.A escola era bem próxima dali, logo fora do condomínio, uma das creches particulares mais prestigiadas de Cidade A.Yasmin Gomes desceu do carro. Serena Barbosa a acompanhou até o portão da escola, ajeitou a mochila nas costas da filha e perguntou com um sorriso:— À tarde, mamãe vem te buscar mais cedo. Vamos fazer bolo juntas, o que acha?Yasmin Gomes assentiu contente e, depois de cumprimentar a diretora e as professoras, entrou para a escola.Serena Barbosa observou a filha entrar, com um olhar repleto de doçura. Virou-se então para o carro, onde Leonardo Gomes esperava. A luz da manhã brincava sobre ele, que permanecia, como sempre, elegante e sereno. No entanto, seus olhos, profundos como as noites de inverno, carregavam uma frieza constante, quase distante.— Vou voltar para casa caminhando, pode ir para o trabalho — disse Serena Barbosa, aproximando-se da janela do motorista.Leonardo Gomes apenas apertou os lábios, girando o volante com as mãos longas e ágeis. O Rolls-Royce preto avançou suavemente entre os carros e sumiu pela rua.Serena Barbosa ficou observando o carro até ele desaparecer. Mesmo depois de tantos anos de casamento, ela ainda não conseguia compreendê-lo.Ela sabia, no fundo, que tudo o que ele sentia por ela era apenas gratidão, jamais amor. E ali estava ela, tola, esperando que um dia ele a amasse.Esperando há seis anos.Agora, Serena Barbosa já não culpava ninguém. Apenas a si mesma, por ter feito a escolha errada. Aceitava as consequências.Ao retornar para casa, caminhando devagar, foi recebida por Dona Isabel, que perguntou:— Senhora, o que deseja para o café da manhã?— Pode cozinhar dois ovos e metade de uma espiga de milho para mim — respondeu Serena Barbosa.Dona Isabel hesitou um instante, mas logo foi para a cozinha. Achou curioso o olhar da patroa naquela manhã: parecia ainda mais frio que de costume. E nem ouvira discussões entre ela e o senhor na noite anterior.Normalmente, quando o patrão passava semanas sem voltar para casa, o humor da senhora ficava péssimo. Ainda mais agora, depois de tudo o que a filha passou no hospital, ela não comentou nada.No escritório do terceiro andar, Serena Barbosa mergulhou em pensamentos. Em um mês, ela subiria ao palco do fórum médico do país M como a melhor aluna formada, atraindo a atenção das maiores empresas farmacêuticas do mundo. Bastava dizer sim, e as portas dos principais laboratórios se abririam para ela, com investimentos milionários à disposição.Mas todo esse brilho, ela jamais revelou. Dentro daquela casa, e aos olhos dos outros, Serena Barbosa era apenas uma dona de casa presa numa gaiola dourada, sem qualquer talento especial.Já seu marido, Leonardo Gomes, aos dezoito anos se tornara o conselheiro financeiro mais prestigiado de país M. Aos vinte e três, assumiu a empresa da família e virou uma lenda no mercado de investimentos, chegando rapidamente ao topo da lista dos mais ricos do país.

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